Alberto Campo Baeza nasceu em 1946 na cidade de Valladolid, no centro norte da Espanha mas passou boa parte de sua infância e juventude na extremidade oposta do país, na cidade portuária de Cádiz, no sul da Andaluzia. Graduado arquiteto pela Universidade Politécnica de Madri em 1971, Campo Baeza obteve seu título de doutor em arquitetura pela mesma instituição pouco mais de dez anos depois. Desde então, assumiu o papel de professor catedrático na Escola Superior de Arquitetura de Madri (ETSAM), onde leciona há mais de 40 anos. Ele encara a arquitetura como uma ferramenta para a concretização de idéias e conceitos abstratos. A transfiguração da subjetividade do mundo em estruturas corpóreas simples e cristalinas, apoiando-se em elementos arquitetônicos singelos como volumes retangulares estoicamente enraizados em seus contextos específicos, paredes sólidas e profundas e estruturas honestas. Na arquitetura de Campo Baeza não há lugar para formas complexas ou quaisquer exageros. Formas autênticas e despretensiosas acentuam as relações primárias entre a volumetria pura de seus edifícios e a exuberância da paisagem que os cerca. A arquitetura de Campo Baeza fala sobre transparência e precisão, planos, linhas e ângulos. Embora sua obra construída seja bastante concisa – em sua maioria projetos em pequena escala –, ela representa um dos legados mais completos, consistentes e inspiradores que a arquitetura contemporânea já produziu.
Um dos mais reconhecidos e aclamados arquitetos de nossa época, Campo Baeza recebeu vários prêmios de prestígio, incluindo a Medalha de Ouro da Arquitetura Espanhola no ano passado. Entre suas principais obras construídas estão a Casa do Infinito (Cádiz, 2014), a reurbanização da praça Entre Catedrais (Cádiz, 2009), a Casa Olnick Spanu (Garrison, Nova Iorque, 2008), o Museu da Memória da Andaluzia (Granada, 2010), o berçário da Benetton (Treviso, 2007), a sede da Caja Granada (Granada, 2001), a Casa De Blass (Madri, 2000) e a Casa Gaspar (Cádiz, 1992). O arquiteto é autor de inúmeras publicações, artigos e também livros, como Principia Architectonica, The Built Idea, Poetica Architectonica e a sua obra mais recente Sharpening the Scalpel. A seguir, apresentaremos uma versão resumida da nossa conversa com Alberto Campo Baeza em seu pequeno estúdio em Madri, onde ele trabalha ao lado de uma dúzia de colaboradores.
Vladimir Belogolovsky: Cerca de dez anos atrás, você decidiu passar um período sabático na Avery Library da Columbia University em Nova Iorque. Conte-nos mais sobre essa experiência?
Alberto Campo Baeza: Ao longo dos meus anos como professor na Escola de Arquitetura de Madri, passei por dois períodos sabáticos, ambos como professor visitante na Columbia University – mais recentemente entre 2010-11 e também no início dos anos 2000. Nesta última visita, optei por um ano de reclusão, evitando palestras e até projetos muito tentadores para dedicar meu tempo inteiramente a pensar e contemplar a arquitetura. Durante esse período de reflexão e tranquilidade, escrevi meu livro Principia Architectonica, um resumo das idéias que desenvolvi ao longo dos anos.
VB: Você poderia listar algumas destas ideias ou conceitos que orientam seu trabalho como arquiteto?
ACB: A arquitetura não é um capricho; todo projeto deve nacer da observação de seu contexto e programa específico. Cada projeto demanda uma abordagem distinta, é como uma ciência. O projeto por sua vez, deve ser pautando pela razão. Em primeiro lugar você precisa encontrar uma ideia capaz de ser construída. A beleza, por assim dizer, não é um conceito utópico e a utopia não é algo impossível de ser realizado. Com as novas tecnologias, podemos finalmente dar forma aquilo que antes parecia ser impossível. A beleza pode ser também resultado do raciocínio lógico, da razão, das proporções harmoniosas e da escala apropriada. Arquitetos devem ser profissionais sérios, perspicazes e sinceros.
VB: Mas você não concorda que, embora para alguns arquitetos ser sincero significa ser simples, reservado e analítico, para outros – trata-se de ser expressivo, casual e intuitivo?
ACB: Concordo, mas de qualquer forma eu prefiro a universalidade à individualidade. Gaudí era um gênio, mas egocêntrico demais para o meu gosto. Quando a arquitetura resulta auto-centrada demais, ela perde a sua universalidade. No meu trabalho, procuro ser simples, silencioso e abstrato; em suma, universal. Obviamente isso é só o ponto de partida, apenas a base. Para alcançarmos a verdadeira beleza, precisamos ter imaginação, precisamos de inspiração. Minha obra gira em torno de temas como a transparência e a continuidade. Mies abriu mão dos elementos clássicos da arquitetura que proporcionavam uma sensação de continuidade espacial porque ele tinha a sua disposição novas tecnologias que lhe proporcionavam criar projetos que transmitissem a mesma noção de transparência e continuidade a parir de uma nova abordagem. Konstantine Melnikov, por sua vez, fez de tudo para despir a sua arquitetura de tudo aquilo que era supérfluo, “para despojá-la do mármore, dos artifícios e revelá-la tal e qual é, crua e nua como uma deusa jovem e graciosa.” A arquitetura deve ser séria, o que não significa que ela deva ser tediosa. Deve ser consequencial; deve ser bonita. Platão disse: “A beleza é o esplendor da verdade.” Em outras palavras, a beleza é o reflexo da razão, não um mero gesto intuitivo.
VB: Você acha que a beleza é algo consensual para a maioria das pessoas ou que são os arquitetos a julgar se um projeto é bonito ou não?
ACB: Quando Platão falou sobre a democracia, ele nos alertou que por si só isso ela não seria uma garantia de sucesso nem mesmo uma solução para os nossos problemas. Eu sou muito desconfiado à respeito do que a maioria das pessoas pensa. Estou certo de que você e eu podemos concordar que o Pavilhão Barcelona de Mies é um belo edifício. É uma obra-prima, é evidente. Mas será que todas as pessoas que passam por lá concordariam com isso? Disso eu não tenho certeza nenhuma.
VB: Você disse: “A história da arquitetura é uma luta em busca da leveza, sempre mais leve e mais leve.” O que você diria sobre o seu trabalho? Quais são as principais intenções por trás de sua obra?
ACB: O que eu procuro é muito simples e pode aré parecer ingênuo – fazer pessoas felizes. É isso. Não faço arquitetura para alimentar meu ego ou a minha vaidade, tampouco para a minha própria satisfação. As coisas que eu faço às faço para que as pessoas gostem. A maioria dos meus projetos são casas. Imagine se as pessoas que moram nestas casas tivessem medo de tocá-las. Posso garantir que meus clientes estão felizes em suas casas. Meus edifícios por sua vez são uma espécie de hino à liberdade. As pessoas podem habitar estes espaços de mil maneiras diferentes. A Casa do Infinito em Cádiz, por exemplo, é basicamente uma plataforma, um pódio encaixado na areia. Então, o que se cria é um plano infinito de frente para a imensidão do mar. É como um mole que avança em direção ao mar. Nada mais, nada menos. Ela não poderia ter sido construída em nenhum outro lugar do mundo que não aquele. Seu contexto é único. Ela foi construída para que os moradores pudessem aproveitar o mar, a brisa e o sol. Você chega na casa por uma espécie de praça suspensa que dá acesso à sala de estar; o volume é então esculpido de três maneiras - a entrada no centro, o anfiteatro à esquerda e a piscina à direita, uma homenagem às icônicas pinturas de David Hockney.
VB: Além de fazer as pessoas felizes e livres, qual é o principal propósito da sua arquitetura?
ACB: Eu procuro que a minha arquitetura seja neutra. Eu tento não impor nada. Eu prefiro não favorecer um ou outro estilo de vida. Minhas casas são estruturas fáceis de habitar. Neste contexto, a restrição se torna um pré-requisito para a felicidade.
VB: O que você poderia dizer sobre o progresso de sua obra depois de tantos anos de prática? Seria a busca por leveza?
ACB: Acho difícil falar sobre progresso, apontar um avanço em particular. À medida que envelhecemos, certas coisas ficam mais claras. Todo projeto deve proporcionar novas descobertas. Eu não procuro ser original. Tento descobrir não a originalidade, mas coisas que são essenciais. O importante é que todo projeto seja uma aventura em busca de algo novo.
VB: Essa atitude explicaria por que você privilegia a qualidade em relação a quantidade.
ACB: Alguns anos atrás, um colega arquiteto me disse: “Alberto, em minha vida eu construí mais de dois mil edifícios.” Lembro de ter pensado: “Meu Deus, dois mil edifícios!” Então, revisando minhas anotações eu descobri que havia construído apenas trinta e sete. Em um primeiro momento eu pensei: “Que desastre!” Naquele momento eu estava lendo a biografia de William Shakespeare de Bill Bryson, e o no livro eu encontrei a seguinte passagem: “Como todos nós sabemos, William Shakespeare escreveu apenas trinta e sete peças.” De repente, tudo mudou de figura e eu me senti muito realizado! [Risos.] Eu acho importantíssimo estarmos satisfeitos com o que fazemos. Você precisa acreditar no seu trabalho e levar a sério todo e qualquer projeto.
VB: Isso já faz alguns anos eu imagino. Neste meio tempo quantos outros projetos você concluiu?
ACB: Mais alguns, no total eu devo ter concluído algo em torno de 45 projetos. Pelo menos minha obra é mais vasta que a de William Shakespeare! [Risos.]
VB: Você disse que uma das principais qualidades da arquitetura é a atemporalidade ou a sua capacidade de suspender o tempo. Entretanto, muitos dos nossos colegas parecem estar mais preocupados com o oposto disso – eles procuram capturar o movimento e a dinâmica da fugacidade do tempo. O que você teria a dizer sobre isso?
ACB: Quando falo em suspensão do tempo, é claro que estou fazendo referência a um questão filosófica. Se olharmos para o Panteão de Roma, percebemos a universalidade de sua beleza e ele assim o será no futuro também. Como podemos chegar a algo assim tão elementar, tão especial? Infelizmente as pessoas costumam confundir originalidade com banalidade ou excentricidade. Eu diria que não sou nem uma coisa nem outra, nem original tampouco exótico. Mais uma vez, eu não estou em busca de criar nada original, mas em encontrar a simplicidade das coisas. Não podemos idealizar coisas impossíveis de serem construídas, assim como não podemos materializar uma ideia que não somos capazes de conceber.
VB: Seus edifícios são bastante simples em suas formas e super requintados em seus detalhes. No entanto, você diz que a sua arquitetura é abstrata mas não minimalista. O que você tem a dizer sobre isso?
ACB: Eu odeio a palavra minimalista. Meu objetivo não é ser minimalista, purista ou perfeito. Não, não, não, eu também erro. E eu não tenho vergonha disso! [Risos.] O que é mais importante para mim é ser livre, simples e, às vezes, até óbvio. Não há nada de errado em ser óbvio. O que pode ser mais óbvio do que trabalhar com a luz do sol na arquitetura? Assim como não há arquitetura sem a luz, não há música sem o ar. Eu acho que um instrumento musical é uma boa metáfora para um edifício, porque, como arquitetos, afinamos os nossos projetos, assim como os escritores escrevem e reescrevem seus textos para serem sempre mais claros, específicos e nítidos, assim como um bom cirurgião é aquele com mais experiência prática. Estamos sempre ajustando e afinando nossas idéias - aperfeiçoando detalhes, proporções, distâncias, escalas. É como entrar em sintonia com o projeto, conhecendo cada detalhe e apertando cada parafuso até o momento em que ele ganha vida e passa a ser habitado. O que é arquitetura afinal? Para mim, arquitetura é a arte de colocar as coisas no seu devido lugar – como arrumar um quarto, uma casa, uma cidade.